No dia seguinte ao da promulgação da Constituição de 88, 6 de outubro de
1988, o doutor Saulo Ramos, então meu consultor-geral da República,
disse-me, com um ar brincalhão: "Esta Constituição vai ser um maná para nós,
os advogados: os tribunais ficarão entupidos de ações". Em seguida,
mostrou-me um texto, o inciso LXI do art. 5º: "Ninguém será preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei".
"Ora", dizia ele, "a partir de hoje, ninguém pode ser preso neste país para
ser investigado". E me esclareceu mais ainda: "Veja esta outra preciosidade:
'a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele
indicada'; e mais, 'o preso será informado de seus direitos, entre os quais
o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de
advogado'."
O criminoso, desse modo, tem todos os direitos, e a vítima, aquela que
sofreu o ato criminoso, não merece nenhuma menção nesse artigo 5º, que trata
dos direitos fundamentais. Foi jogada para a vala comum, remetida pelo
último artigo da Constituição a uma lei infraconstitucional.
No mundo inteiro, hoje, existe legislação que assegura direitos às vítimas,
e há inclusive uma resolução da ONU nesse sentido. Considero que o
desrespeito e a falta de humanidade para com aqueles que são trucidados pela
violência e insegurança que existem no país vêm a ser um estimulador da
própria violência. Se os criminosos e a sociedade, o Estado e as autoridades
olhassem o drama humano de quem perde um pai, um filho, de quem fica
paralítico para vida inteira, olhassem os destinos que se acabam, talvez não
se cometessem tantas atrocidades. Mas, ao contrário, só quem tem direito é o
criminoso, o homicida. E as vítimas ficam no esquecimento e só merecem
notícia quando são objeto de sensacionalismo.
Apresentei um projeto de lei para proteger as vítimas de violência e suas
famílias e lutei para que não se admitisse que homicidas se defendessem
soltos. Há três anos tramita na Câmara, e - pasmem os leitores - recebeu
parecer contrário à sua aprovação.
As vítimas clamam por justiça.
José Sarney
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