terça-feira, 18 de agosto de 2009

Uma visão Legal do Turismo

"Não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu país." John Kennedy

A célebre frase do não menos ilustre presidente norte-americano me "atingiu em cheio" diante da escolha do tema para este artigo. Compreensível, desde já, a curiosidade dos meus leitores sobre uma justificativa para o fato. Analisando melhor a citação, esse quase clichê (data venia, presidente!) me pareceu o atalho mais curto para abordar, por um viés jurídico, a contribuição do turismo para o desenvolvimento econômico e sustentável no cenário contemporâneo.

O mundo está em crise: ponto pacífico! Os recursos estão cada vez mais escassos, o consumo, desenfreado, degradação e pobreza continuam andando de mãos dadas, e, o que é pior, descobriram novos cantos para perambular pelo mundo. O "buraco" aumenta assustadoramente e a camada de ozônio não nos protege mais. Mudanças climáticas, surgimento de novas doenças... É hora de criar, inovar, quebrar paradigmas para atingir a superação. Não sem antes, contudo, de despertar para novas consciências, de embasar os novos comportamentos em valores e princípios como ética, solidariedade, progresso, dignidade da pessoa humana.

As "tribos" globais estão se mobilizando, cada uma em sua seara, para construir, a partir do presente, um futuro melhor. São para as crianças de hoje que plantaremos árvores que lhes darão oxigênio quando chegarem à fase adulta e assim sucessivamente. Foi-se o tempo do "ecologismo romântico", quando as atenções se voltavam para focos e interesses dirigidos e a temática era segmentada. Superamos o conservacionismo e, com a preocupação de entender a questão de forma sistêmica, chegamos ao ambientalismo, ou, como preferem alguns, ao socioambientalismo.

Estamos no Brasil. A adesão do país a essa conscientização se concretizou de fato quando o legislador constituinte presenteou um capítulo ao meio ambiente, a partir do art. 225. Pela inteligência deste dispositivo vislumbramos, numa perspectiva real e ampla, a concepção de meio ambiente como o conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais voltados ao desenvolvimento da vida. É inegável que a CF/88 (clique aqui) primou por uma visão antropocêntrica do meio ambiente. Tanto assim que adotou como um dos seus princípios fundamentais, o princípio da dignidade da pessoa humana1. Isso não quer dizer que tenha descuidado da proteção ambiental. Muito ao contrário, dedicou-lhe um capítulo inteiro (Capítulo VI), dentro do Título que trata "Da Ordem Social".

O que se percebe é que o legislador constituinte teve como objetivo incentivar o progresso e o desenvolvimento como formas de satisfazer as necessidades humanas e, ao mesmo tempo, impor a todos o dever de proteção ao meio ambiente, sem a qual a própria condição humana é afetada.

É o que se denota também do art. 1702, VI, da mesma CF/88, que, ao regular a atividade econômica, impõe a observância do princípio da proteção ao meio ambiente.

Há ainda que se ressaltar que o texto constitucional ineditamente explicita e eleva o turismo à categoria de atividade econômica3. Por vias indiretas, o turismo também foi prestigiado na Carta Magna nos termos do art. 6º (Direitos Sociais)4 que prescreveu o direito de todos ao lazer. O turismo nada mais é do que uma das suas modalidades.

Após essas breves considerações, dá-se por inquestionável a importância da compreensão do Direito Ambiental para o turismo e vice-versa. O que não é o meio ambiente (seja ele natural, artificial, cultural) para a atividade turística se não a sua matéria prima?

O setor de turismo é hoje uma das maiores indústrias do mundo. No entanto, o desenvolvimento tradicional de um destino turístico pode levar ao esgotamento dos recursos naturais, à descaracterização do patrimônio cultural e desestruturação da rede social. Quando um destino começa a perder seus encantos por essas razões, corre o risco de ser preterido pelos viajantes na busca de outro... paraíso!

Diante disso, o novo paradigma do turismo se volta para sustentabilidade. Sustentabilidade é palavra de ordem que pressupõe o uso sensato, apropriado e eficiente dos recursos naturais, de maneira ambientalmente responsável, socialmente justa e economicamente viável, de forma que o atendimento das necessidades atuais não comprometa a possibilidade de uso das futuras gerações. Esse paradigma, portanto, abrange fatores como autenticidade cultural, inclusão social, conservação do meio ambiente e qualidade dos serviços como peças fundamentais para sua viabilidade no longo prazo.

Nem todos os empreendedores e profissionais de turismo se davam conta dessa premissa singela, e, por que não, óbvia. Isso é passado. Nas últimas duas décadas, principalmente a partir da promulgação da CF/88 vigente, o Direito está cada vez mais a serviço do Turismo. Além do texto constitucional, compraz-nos a constatação da existência de um corpus legislativo no ordenamento jurídico do qual o turismo pode se socorrer para se estruturar e progredir, com um grau cada vez maior, mais adequado e específico de segurança e proteção jurídicas. Comecemos pela recém-promulgada lei 11.771/08, a Lei Geral do Turismo (clique aqui). A legislação infraconstitucional, ademais, oferece um rol de diplomas, seguindo uma tendência internacional, que consideram de forma isolada vários elementos do meio ambiente, propiciando o surgimento de uma variedade de novos "direitos" entre outros, o das águas (lei 9.433/97 – Política Nacional de Recursos Hídricos - clique aqui e lei 9.984/00 – criação da Agência Nacional das Águas), das áreas de proteção (lei 9.985/00 – Sistema Nacional de Unidades de Conservação), das matas e florestas (lei 11.428/06 – Lei da Mata Atlântica e lei 4.771/65 – Código Florestal - clique aqui), das espécies em extinção (lei 5.197/67 – Lei de Fauna). Vale incluir ainda a lei 6.938/81 - Política Nacional de Meio Ambiente e a lei 9.605/01 – Lei de Crimes Ambientais (clique aqui) sem prejuízo da legislação ambiental estadual e municipal. Resoluções (a exemplo das resoluções editadas pelo CONAMA), decretos e portarias específicas de regulação e proteção do meio ambiente aparecem caudalosamente no nosso ordenamento.

E mais. O Direito Tributário Ambiental atualmente possibilita que instrumentos clássicos da tributação sejam ambientalmente orientados com o fito de não só desonerar a atividade como estimular novos projetos e equilibrar a equação/binômio rentabilidade e sustentabilidade dos empreendimentos turísticos. A política de incentivos fiscais cabe em todas as modalidades de tributos; nas esferas federais (isenções de até 40% no IR de pessoas jurídicas até o máximo de 6% do valor devido), estaduais (reduções de alíquotas do IPVA para veículos que utilizem combustíveis menos poluentes ou equipamentos de controle da poluição, ICMS Ecológico ou Verde, aumento no percentual de repasses estaduais para as localidades que investirem na proteção do meio ambiente) e municipais (IPTU Ambiental).

Ainda assim, não seria de surpreender a reação, ato contínuo, de alguns leitores mais acirrados que, de pronto, sentir-se-iam compelidos a questionar essa nova realidade. O tema polêmico do licenciamento ambiental, hoje tido como um dos maiores empecilhos ao andamento da "maioria" dos empreendimentos turísticos, principalmente dos projetos hoteleiros, é um dos primeiros que vêm à tona.

A pergunta recorrente feita pelo empresariado é sempre voltada para a definição de competências: federal, estadual e municipal. Em que pese o fato de a CF/88 ter atribuído ao poder público, nesses três níveis da federação, o dever de proteger o meio ambiente, na prática, ainda ocorrem situações que, com efeito, não nos permitem dizer que há uma perfeita harmonia entre as normas relativas ao licenciamento ambiental. Considerando a legislação (a lei 6.938/81 – Política Nacional de Meio Ambiente) e a resolução do CONAMA 237/97 (clique aqui), que regem a matéria, deduz-se que essa definição é competência do Poder Legislativo e não do Poder Judiciário, poder este tão criticado por aparentemente atuar ativamente e usurpar a competência do primeiro. Felizmente a jurisprudência e a doutrina vêm nos fornecendo decisões e "brechas" que permitem tranqüilizar empreendedores afoitos, desesperados, descrentes... Dir-se-ia, então, cada caso é um caso.

Aqui, outra quebra de paradigmas porque se preconiza doravante uma nova consciência e estímulo à adoção de uma advocacia ambiental preventiva e consultiva, sem prejuízo da costumeira advocacia defensiva. Nesse diapasão, defende-se a inclusão, de plano, como parte do trabalho de uma equipe multidisciplinar, a contribuição jurídica de especialistas em Direito Ambiental e seus ramos afins, como Direito Urbanístico, Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito do Consumidor, Direito Civil, Direito Societário/Empresarial/Falimentar.

A finalidade dessa participação é assessorar juridicamente os empreendedores/administradores em temas como licenciamento, projetos ambientalmente responsáveis, sustentabilidade, proteção do meio ambiente natural, cultural e histórico, planejamento tributário/fiscal, direitos e deveres dos consumidores, responsabilidade civil, danos morais e materiais, modelos de sociedade/gestão. Em definitivo, esse novo ator (o consultor jurídico) é uma agente eficaz, principalmente, na profilaxia de situações que possam dificultar e até mesmo inviabilizar projetos turísticos em quaisquer de suas fases.

Por último, resgato a citação do início do texto para, agora sim, exortar o trade turístico a pensar nos seguintes termos: "Não pergunte o que o seu país pode fazer pelo turismo. Pergunte o que o turismo pode fazer pelo seu país". Visto pelo prisma social, ambiental, econômico e legal, o turismo brasileiro se insere no rol das atividades consideradas estratégicas e de grande porte e não ficaria indiferente a uma "convocação" dessa natureza. O Poder Público, por sua vez, se posto diante de propostas coerentes, contundentes, bem formuladas e devidamente encaminhadas não haveria de negligenciar os sinais da pujança desse setor e deixar de prestigiá-lo. Esforços conjugados e sintonizados nessa direção têm resultado em conhecidas parcerias exitosas nos EUA, na Espanha, no Caribe... por que não aqui? A resposta está mais perto de nós do que imaginávamos...

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1 Art 1º, III, Constituição da República Federativa do Brasil

2 "Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos e elaboração e prestação; (...)"

3 "Art. 180 – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico."

4 "Art. 6º - São direitos sociais (....) o lazer (...)".

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Constança Madureira**Hoteleira e advogada  No Migalhas 

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