sexta-feira, 5 de junho de 2009

Receitas de paz

Várias mulheres se reúnem em uma padaria judia de Crétil, comunidade multiétnica ao sul da capital francesa, onde compartilham brincadeiras e piadas em árabe e francês, em meio a farinha, manteiga e ovos, enquanto preparam bolos típicos da região do mar Mediterrâneo.


Crédito: Alecia D. McKenzie

Todas são integrantes da organização Bâtisseurs de Paix (Construtoras de paz), que reúne mulheres judias, muçulmanas, cristãs e "até agnósticas", interessadas em melhorar as relações entre as comunidades judia e muçulmana da França diante do aumento de incidentes racistas. Encontram-se uma vez por mês na padaria Les Jardins de la Mediterrannée, localizada em um centro comercial, e preparam bolos e pães típicos de Israel, Egito, Marrocos, Tunis e outros países. A atividade reúne pessoas que de outro modo não se juntariam nem se falariam.

"Me encanta essa aproximação", disse Julie Sultan, uma judia tunisina que vive na França há 53 anos. "Não há branco, negro, marron, de cora alguma. Apenas um encontro de corações. Somos todas irmãs", acrescenta. Pertencer ao grupo é uma forma de "abrir-se" e mudar preconceitos, disse Uafa Kabsi, uma tunisina muçulmana. "Somos todos seres humanos, somos iguais", afirmou.

Criada em 2002 pela jornalista judia francesa Annie-Paule Derczansky em resposta a incidentes anti-semitas nos arredores de Paris, Bâtisseurs de Paix tem 60 integrantes ativas e de 300 a 400 mulheres participam nas diversas atividades que organizam todos os anos. "Elas são a coluna vertebral das famílias dos países do Mediterrâneo e as construtoras do futuro", disse Derczansky. "O que fazemos é mostrar às crianças e aos jovens que a coexistência feliz é possível porque muçulmanas e judias podem ser amigas", acrescentou. Mas esses sentimentos contrastam com o aumento de incidentes que enfrentam as duas comunidades neste país, onde vive a maior quantidade de judeus e muçulmanos da Europa ocidental, cerca de 600 mil e cinco milhões, respectivamente. Vários casos acabaram na justiça no mês passado, o que motivou debates e um profundo exame de consciência.

O que mais mexeu com a opinião pública foi o assassinato do jovem judeu Ilan Halimi em 2006, do qual Yusuf Fofana se confessou culpado na semana passada. Também há outros 26 acusados como possíveis cúmplices, incluindo mulheres e adolescentes. Halimi foi seqüestrado em janeiro desse ano para ser pedido resgate, foi torturado durante as três semanas em que esteve preso em um sótão da localidade de Bagneux, ao sul de Paris. Foi deixado algemado contra uma árvore perto de uma estação de trem. Quando a policia o encontrou tinha o corpo cheio de queimaduras e cortes. Morreu a caminho do hospital.

Bâtisseurs de Paix está organizada em diferentes atividades para "que as pessoas possam compreender que elementos na educação dos jovens pode originar um crime como esse", disse Derczansky, que preside a organização. "Não queremos explicar nem buscar desculpas, mas procurar entender". Além dos encontros na padaria, a organização coordena jantares com diplomatas, psicoanalistas e outros especialistas. Também trabalham com estudantes e organizam passeios ao Instituto do Mundo Árabe e ao Museu de Arte e História do Judaísmo, ambos na capital francesa.

"A idéia é mostrar tudo o que judeus e muçulmanos têm em comum", explicou a jornalista. Sua esperança é que promovendo a harmonia entre as religiões e jovens, se possa evitar a violência racista. Mas seu trabalho enfrenta outro tipo de obstáculo, com o conflito no Oriente Médio. As integrantes da organização evitam mencionar o tema porque pode gerar ressentimento. Durante o último ataque de Israel contra o Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) em Gaza, de 27 de dezembro a 19 de janeiro, foram registrados vários episódios de violência contra sinagogas e estudantes judeus nas ruas. a organização suspendeu seus encontros porque "havia muita dor", contou Derczansky. Ela propôs uma reunião "tipo psicanálise", mas ninguém respondeu à convocação. "Ninguém me telefonou. Mas o importante é que ninguém abandonou o grupo", disse.

A organização está voltada a outros projetos, como fazer com que a Grande Mesquita de Paris coloque uma placa indicando que adultos e crianças judeus foram abrigados ali durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), até poderem fugir para outros países. Também pediu ao presidente da Argélia, Abdelaziz buteflika, sob cuja autoridade está a Grande Mesquita, que abra os arquivos históricos sobre o papel do templo durante a ocupação alemã da França. "Teria um forte poder simbólico para as pessoas saberem que os muçulmanos ajudaram os judeus durante a Segunda Guerra, enquanto o governo francês colaborava com o regime nazista", disse Derczansky. IPS/Envolverde.Receitas de pazAlecia D. McKenzie
(FIN/2009)

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